domingo, 10 de junho de 2012

Nos conhecemos, pouco a pouco.

Otto saiu cedo de casa. Como sempre ainda estava escuro e apenas deu um beijo de bom dia na esposa e nos filhos, o sol ainda iria demorar a nascer mas ele tinha que seguir adiante.
Caminhando em meio ao silêncio das ruas ainda vazias, Otto ouvia um barulho ensurdecedor de seus pensamentos. Isso lhe era comum, todas as madrugadas ouvia violinos misturados aos seus questionamentos pessoais, às suas dúvidas e medos, aos seus preconceitos e às suas saudades.
Costumava olhar para o relógio a cada pequeno intervalo de tempo, como que se vigiando o tempo que lhe acompanhava passo a passo que dava. Os segundos demoravam horas, mas estas escapavam como metades de segundos.

O dia começava a raiar mas ele ainda caminhava sentindo-se sem destino mesmo sabendo onde estava indo. O Metrô o esperava, cheio de pessoas, de histórias que ele preferia não saber mas era inevitável entre tantas conversas, telefonemas ou reclamações. 

Ele nem percebia o quanto chovia e que havia se molhado, porque o barulho que não cessava em sua mente aumentava e espalhava-se por seu coração. Sim Otto, achava que seu coração pensava muito mais do que sua cabeça. Sorria quando pensava assim e dizia a si mesmo: "louco, só posso ser".

As pessoas lhe cumprimentavam, recebia telefonemas, acenava, respondia e sorria. Sabia que era tão automático quanto as portas daquele metrô. Ao chegar ao escritório, continuavam os violinos tocando, seus pensamentos cada vez mais intensos, lembrava do sorriso da filha caçula e do almoço que sua mulher lhe preparou na véspera. Ao sentar-se em sua cadeira pensava que era bem melhor ter deixado o carro em casa para sua esposa usar caso fosse necessário, afinal, tinham duas crianças pequenas.

Otto lia sua correspondência, sua secretária lhe trazia o café que sempre esfriava antes que tomasse. Alguns telefonemas, algumas repostas de e-mails, mais alguns acenos e respostas e sorrisos.
Encostava em sua cadeira, reclinava e começava a fazer o que mais gostava: lembrar de sua vida até ali. Passava horas analisando mensagens eletrônicas de propostas comerciais, contratos e achava que de alguma forma ele conduzia a vida de muitas pessoas, ao decidir por algo. Nesses momentos ele sentia seu semblante pesar mais do que sua maleta, mais do que toda sua vida. Não sentia-se triste, mas questionava-se sobre suas conquistas, suas atitudes como homem, pai, esposo, profissional.

Ainda teria um longo dia pela frente e voltava a sorrir quando sabia que tudo o que ele era naquele momento era fruto de suas escolhas em algum momento de sua vida. Sua escolha na profissão, ou a opção que teve, o casamento, amigos, filhos. Tudo, ele sabia, era parte de algo e ele era parte tambem.

Ao fim do dia chegando em casa sua esposa sempre perguntava como havia sido seu dia e Otto sorrindo, mas com os ombros pesados dizia que havia sido como deveria ter sido, a não ser que ele tivesse feito algo que o fizesse ser diferente. Sua esposa o abraçava e dizia: "Eu te conheço, quer conversar?" Otto sorria-lhe de volta, abraçava-a e dizia: "Querida, nós ainda estamos nos conhecendo, não percebes?" Colocava sua música favorita para tocar e se deitava abraçando-a.

Otto não tinha uma rotina, ele era a rotina e sabia disso. Ele não se conhecia muito bem ainda, embora soubesse como ele era, dentro de sua rotina. As crianças pediam que ele lhes contasse uma história antes de dormir, sua esposa o esperava na cama e ele continuava olhando o relógio a cada instante, como um vício ou mania. 

Somos como o Otto ás vezes nos preocupando tanto com tantas coisas ao mesmo tempo, ou com o próprio tempo. E ainda assim vamos fazendo o que deve ser feito, porque precisa ser. Cada minuto que se vai, eterno ou não, não voltará. Cada instante de vida é único, e deve mesmo ser bem aproveitado. Cansaço para descansarmos, lágrimas para rirmos depois, noites para acordarmos e lembranças, muitas lembranças.

Sabem, Otto é um grande cara. E ele sabe disso.




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Querem saber a música que nossa personagem ouvia todas as noites, vejam abaixo.